quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Antropologia visual de João Cesar Monteiro.


João César Monteiro das Neves nascido na Figueira da Foz a 2 de Fevereiro de 1939, foi um cineasta português. Integrou o grupo de jovens diretores que se lançaram no movimento do Novo Cinema português. Irreverente e imprevisível, fez-se notar como crítico mordaz de cinema nos anos sessenta, como realizador, ele prossegue a tradição iniciada por Manoel de Oliveira no "Acto da Primavera", ao introduzir no cinema português de ficção o conceito de antropologia visual. "Veredas e Silvestre" é um exemplo desse movimento amplamente explorado no documentário por outros cineastas portugueses como António Campos, António Reis, Ricardo Costa, Noémia Delgado e, recentemente, Pedro Costa.


Un paysan dans les nuages, "um qual carapuça" das gândaras.


Um segredinho, "qual carapuça", é antes algo que só pode ser notado a "olhos vistos" se cair na alçada do povo e se nos lembrarmos de detalhes. Mas certas coisas o povo não quer que a gente saiba. Um dia assisti ao nascimento de dois cabritos, minha mãe foi a parteira, com sua visão de sábia, ela perfurou o saco das águas e os bichinhos nasceram. Depois lembro-me deles andando em cima no murinho estreito do poço de rega perto da eira. Outro episódio igualmente "retalho de minha mente" foi uma galinha poedeira que engoliu demasiado milho de uma vez só vez... A quantidade atravessada em sua garganta impedia-a de respirar, estava sufocando, estava agonizando! Minha mãe ou minha minha avó, uma das cirurgiãs de serviço, abriu o pescocinho do bicho e retirou o excesso atravancado em sua garganta. De seguida fechou o golpe com linha de costura e a ave sobreviveu. Essa ainda pôs muitos ovos mas cacarejar,"lavado seja Deus", isso seria pedir muito. Lembro-me de apanhar morangos verdes do quintal, amoras silvestres, figos no tempo deles, uvas para pisar, ameixas e laranjas. E tanta gente tem um laranjal e passa horas à sombra na conversa e comendo laranjas porque o mais penoso nestas tardes é apanhar batatas num sol escaldante..."Amar a dor" ou "amardor" como queiram chamar a esta preposição gândareza, eis a questão. De vez em quando é bom lembrar certas façanhas.

Diz à terra que não coma as tranças do meu cabelo.

"Aproxima-se o momento em que com a ajuda do fogo subirei éter aquilo a que chamais morrer e que vos enche de terror" assim falava a filha do grande Indra no Sonho de Strindberg. E assim começou.
As idéias começaram a ferver durante épocas de frio e de gelo. Giestas e videiras em flor sempre na minha cabeça. Quando num baile assim sem querer estar ali, um desconhecido que conhece o teu anseio de sair, te convida para dançar e tu sais. Tu sais dali. Sais de repente, sem razão e sem culpa. Não era esse, era outro, pensas sem querer ficar. E eu sigo como se fosse hoje como se fosse ontem e como se o amanhã tardasse e as flores caem, as folhas caem e o mundo se veste de novo com seus vestidos de noite. As oliveiras amadurecem, os seus frutos que rendem o melhor dos nectares se dividem em veios e correm de um rio para o outro.

E assim se começa o dia com um "Ai Solidom" no ouvido.
"Se passeares no adro - ai solidom solidom
no dia do meu enterro - ai ai ai ai ai
diz á terra que não coma - ai solidom solidom
as tranças ao meu cabelo - ai ai ai ai ai
Ó bonequinha agora agora, ó bonequinha
ó bonequinha agora já
se te apanhasse aqui sozinha, ó bonequinha
dava-te um beijo na carinha,
ó bonequinha, ó bonequinha.
A Oliveira se queixa,
se queixa e tem razão,
que lhe comem a azeitona,
deitam-lhe a folha ao chão." na voz de Dulce Pontes
Para ouvir e se deleitar: http://www.youtube.com/watch?v=_L02bGa9bdA&feature=PlayList&p=3B3E15C53A89F0B9&playnext=1&playnext_from=PL&index=15