terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Edição de 10 de Agosto de 2001 do jornal O Figueirense

Acabo de achar uma entrevista de um jornal da terrinha, a chamada é bem simpática: "E na Figueira da Foz nasceu uma actriz "

"Actriz acima de tudo, mas também dramaturga e encenadora. Mulher. Ama o teatro na mesma medida em que faz parte dele, e isto significará completamente. Tem apenas 20 anos e por trás de uns olhos azuis e de uma timidez que desarma, esconde-se a força capaz de ter levado a bom termo a produção, encenação e representação de uma peça da sua autoria. “Homem Arbore” é , entre muitas outras coisas, uma ode à sua terra, às suas raízes, ao seu passado-presente: Gestinha, localidade do concelho da Figueira da Foz, lugar onde semi-vive, de onde partia para Buarcos para assistir às revistas no “Caras-Direitas”. Memórias de sempre e para sempre gravadas na pele de Liliana Rosa. A actriz. A encenadora. A dramaturga. A mulher. “A partir da árvore são redigidos os Mandamentos do Senhor” *, escreve Liliana. E quais serão os teus mandamentos, Liliana?
Ser actriz
Como é uma actriz? Representará sempre, viverá como se estivesse constantemente num palco, em permanente metamorfose? Tratando-se de Liliana Rosa, eu diria que não. E voltaria a negá-lo. Quando se fala com alguém para quem o teatro é a sua vida, não se pode fazer as perguntas de sempre, cair no banal, poque imediatamente somos levados para o plano dos sentidos, os mesmos que Liliana Rosa afirma promover. Foi parar ao teatro “por acaso”, ainda que a lembrança das revistas que assistia em miúda há muito lhe tivessem despertado o gosto pelo palco. Com apenas 14 anos, soube que o Teatro do Morcego – Laboratório Oficina (de Coimbra) iria realizar um Curso de Formação Profissional na Figueira da Foz. Inscreveu-se e esses quatro meses marcaram-lhe a sina. Definitivamente. Quando o curso acabou, ela e mais quatro pessoas que haviam frequentado o curso, decidiram fazer viver um novo projecto, deles, construído à medida do que se aprende, do que se vai sentindo. Chamava-se “Teatro Anu”, porque o palco era a Figueira, e Anu é um deus mitológico ligado ao mar. O mesmo que vive no olhar de Liliana.
“A essência do teatro está no próprio actor”
Depois, foi a escalada. Diz gostar de “explorar a fisicalidade no teatro”, e por isso ama a dança, o gesto, o movimento. O sair de si, abrir os braços, qual Homem Arbore, e explorar os ramos-braços, girar constantemente, imprimir sentido e vento à voz. Diz que o teatro que gosta de fazer vive mais do movimento das palavras. Porque a voz distrai e o movimento cativa. Fica. E, não obstante a sua timidez, é no palco que se sente bem, quando “tem toda a gente” a olhar para ela e sabe que estão ali por sua causa. Como se tivesse encontrado o seu lugar no mundo.
Teve aulas de dança contemporânea com Ana Borges e depois partiu para Coimbra, para ingressar num Curso Livre de Teatro da Escola Superior de Educação de Coimbra. Fez um pouco de tudo, tarbalhou até no Arquivo da Biblioteca Municipal da Figueira da Foz. Um Verão inteiro a organizar jornais, a conhecer gentes de antes, a procurar essências. Talvez tudo o que procura se resuma a isso. À essência do teatro, que acredita encontrar-se no fundo do próprio actor.
“Homem Arbore”
Sempre escreveu. Poemas. “Homem Arbore”, a peça que esteve em cena no mês de Julho no Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV), em Coimbra, é um filho seu. É o seu sangue e as suas entranhas. O texto, esse, há muito tempo que o foi gotejando (inclui versos que escreveu há seis anos atrás). Porque gosta de parar, reescrever, descobrir exactamente aquilo que quer dizer. Porque é actriz, sabe que não se pode mentir, quando se trata de chamar as coisas pelos nomes, e muito menos quando as palavras são dela, e dizem coisas dela, e são também a sua história. Durante um mês e meio fechou-se numa sala sozinha e ensaiou, representou para o nada, descreveu gestos no ar e foi compondo o seu monólogo. Só dela. Como tinha de ser. Acabou por se converter numa produtora, encenadora e actriz, muitas coisas numa só pessoa.
Prometeu apresentar a peça no dia marcado e apresentou.
Á parte o “Homem Arbore”, fez também parte do elenco de “Nostrum Lenz”, que esteve também em cena no TAGV, do Teatro do Morcego, para o qual entrou em 2000.
E a fórmula para ser actriz, onde está? Não existe fórmula, diz Liliana, para quem qualquer pessoa é um potencial actor. “É preciso muito trabalho e dedicação, não tem a ver com talento”. Quase que acredito.
“O teatro na Figueira não existe”
Agora, reparte os seus dias pelo Porto, onde frequenta o Curso de Teatro-Interpretação na Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo, por Coimbra e pela Figueira da Foz. Tem pena que actualmente o teatro, na terra que a viu nascer, esteja reduzido ao nada. Lembra-se que houve tempos em quem esta arte estava representada, e bem, na Figueira. Lembra-se das sessões no “Caras-Direitas” e de existirem pessoas com talento e de existir realmente Teatro. Na sua opinião, “dinamizou-se muito o turismo, e equeceram-se outras coisas”, imprescíndiveis. Por não existir, por exemplo, “iniciativa da Câmara”, as pessoas acabam por ir-se embora, procurar espaços onde possam realmente trabalhar, e depois as pessoas desabituaram-se de assistir a peças de teatro, porque público, “esse existe”, diz convicta.
“Havia a tradição das revistas, e os populares, muitos, assistiam sempre”, diz Liliana, que vê agora o teatro ser frequentado por uma “elite”, tendo-se caído numa situação em que tudo funciona por convites, quase não existindo bilhetes. E depois, os jovens também partem da Figueira, para estudar ou à procura de coisas que a Figueira ainda não tem, ou que já teve e esqueceu, como o teatro.
Representar na Figueira da Foz
A nível geral, em Portugal, Liliana critica a pouca divulgação que o teatro tem, e afirma que “existem poucos subsídios, não há dinheiro suficiente para o teatro”. Prova disso é a sua própria experiência no Teatro do Morcego. Pediram ao Instituto Português das Artes do Espectáculo 6 mil contos, para duas peças, e receberam 4000 contos, referentes a uma única peça. Resolveram fazer as duas. “Com esforço, tudo se consegue”, diz Liliana, mas mesmo assim lamenta o fraco apoio que existe para a arte em Portugal. “Temos criadores em Portugal que vão para o estrangeiro, ou decidem fazer outras coisas, porque aqui não há iniciativa”, afirma Liliana. E depois, acrescenta, “nas próprias Escolas Secundárias, são poucas as que têm cadeiras de Teatro ou Expressão Dramática”, e tudo isso contribui para o esmorecimento do teatro.
Um das coisas que gostaria de fazer era representar para a sua terra, para a Figueira da Foz. Diz já ter feito contactos, e estar à espera de respostas. É que o azul dos seus olhos tem muito deste mar: uma aparência calma, mas uma rebeldia latente. Liliana Rosa escolheu ser actriz, e o destino quis que o fosse: já.
*in “Homem Arbore”, de Liliana Rosa
Jornalista: Paula Ferreira
Sem superstições...
Uma actriz – “são muitas, não consigo escolher só uma”. Maria do Céu Guerra
Uma peça – “After Sun, do Teatro La Carniceria. Vi-os no Citemor e gostei, porque é parecido com o teatro que nós fazemos, que é um teatro físico, com muita expressão”.
Uma superstição – “Estar calma antes de entrar em palco, estar concentrada. Superstição mesmo, acho que não tenho nenhuma... talvez beber água”.
Uma sensação em palco – “Sinto o sangue a ferver. É bom ser o centro das atenções, saber que está toda a gente ali só para me ver”.
Um medo – “Tem de afastar-se os medos. Só o medo de ficar doente e não poder seguir a vida que planeei, a linha de trabalho que projectei”.
Estraído do site: http://www.ofigueirense.com/10agosto2001/conversa/default.htm